segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

Romaria das Águas - Ambiente, afeto e representações nas praias do Rio Araguaia/GO



Em um vale encravado no cerrado brasileiro nasce o Berohocy – Grande Rio, as águas sagradas dos povos autóctones Iny, cuja cosmologia ao rio se atribui. Pelos povos não originais, o Berohocy foi batizado de Araguaia – ou rio das araras, e os Iny apelidados de Karajá. Para os Karajá, o Araguaia se configura com um território simbólico, cujos afetos se constroem com o ambiente onde se imprimem as relações do mundo vivido. E também o é para o Estado de Goiás, pois a ele se atribui uma contribuição na ocupação do território goiano, durante as primeiras bandeiras paulistas empreendidas na região. É um elemento natural significativo na formação político-territorial do estado de Goiás, e é também símbolo identitário e cultural para os goianos. Isso porque é o núcleo motivador da mobilidade anual chamada de “temporada dos acampamentos no Araguaia”, cujos atores buscam em suas águas o mesmo afeto sagrado e simbólico que fundamentam a territorialidade Karajá. 
Nas praias fluviais que emergem da dinâmica da seca no rio Araguaia acontece a atividade social de apropriação das praias com a construção de acampamentos. Estes são estruturados de forma abrigar grupos de pessoas, normalmente membros de uma mesma família ou de um mesmo grupo social, por períodos que podem chegar a quatro meses (entre junho e setembro) e ocorrem desde a década de 1940. A formação das margens extensas, a facilidade de acesso por diversos municípios, as belezas cênicas da paisagem local com elementos da fauna e da flora e as águas piscosas são os atrativos que contribuem para a retomada anual dos grupos aos acampamentos.
E esta pesquisa discorre sobre essa dinâmica de mobilidade social dos acampamentos construídos ao longo das praias que emergem no rio Araguaia/GO, sobretudo daqueles localizados no entorno do município de Aruanã/GO , sua dinâmica ambiental e sentidos simbólicos. Tem como tema a análise da apropriação das praias no rio Araguaia/GO, com vistas à compreensão das representações que os atores (acampantes) estabelecem com o ambiente (do rio) e como essa apropriação pode fornecer subsídios para o planejamento ambiental no ordenamento do uso das praias e nas ações de educação ambiental. Nosso objetivo maior nessa pesquisa foi analisar a configuração das representações estabelecidas entre os acampantes e o rio Araguaia, visando entender como estes atores estabelecem seus processos de apropriação ambiental do rio, e como essas relações podem fornecer instrumentos para se pensar o planejamento ambiental da prática cultural do uso das praias do Araguaia. 
O trabalho é composto de duas partes essenciais. A primeira - Aspectos do Ambiente Estrutural da Pesquisa: o rio Araguaia, Políticas Públicas do Turismo e a Apropriação do Ambiente - apresenta os aspectos da apropriação e das representações, a relação com o ambiente na estruturação dos acampamentos e seus atores. Está estruturada em dois capítulos - O rio Araguaia: caracterização do meio e os aspectos históricos da ocupação do vale do Araguaia à perspectiva do turismo; e Comportamento em representação: um diagnóstico ambiental dos acampamentos na temporada das praias no rio Araguaia.
A segunda parte trata do Ambiente simbólico-afetivo da pesquisa: tradição, memória, topofilia, e discorre sobre as relações simbólicas a que propomos na leitura dos acampamentos, na tentativa de compreender os sentidos e representações do rio para seus atores. Está dividida em três capítulos – A Romaria das águas; Memórias fluidas de representações em fala: as narrativas e a relação afetiva dos acamp(am)antes do rio Araguaia; e Um porto à polissemia dos acampamentos do rio Araguaia: contradições, diálogos e síntese. Este último sintetiza as discussões realizadas ao longo do trabalho, propondo ações para o planejamento e a educação ambiental que considerem as relações e representações que os atores constroem, a partir dos acampamentos, para com o rio.
Considerar que os acampamentos no rio Araguaia se constituem como uma prática cultural tradicional, outros sentidos são exigidos para o ordenamento da prática na apropriação do ambiente, respeitando a polissemia a que se configuram as relações entre a sociedade e o Berohocy.


A que conclusões chegamos: a dinâmica dos acampamentos se aproxima em essência, mas de uma prática cultural tradicional do que apenas de uma atividade turística superficial. Isso exige lançar um olhar aos mesmos do ponte de vista culturalista, encarando-os como um patrimônio cultural do povo goiano. Ao Rio Araguaia é necessária uma consideração abrangente no sentido de garantir sua integridade ambiental (ecológica e cultural) - um patrimônio natural brasileiro.